Francesca deambula pela rua sombria alumiada apenas por escassos candelabros imanando ténues candeias. Toca suavemente um solo de violino para as poucas janelas abertas e já na escuridão. Emanam dos esgotos pequenos vapores e odores de podridão. Arrasta-se num passo calculado e movimenta-se ao sabor da cadência das notas musicais.
Num quarteirão mais à frente, Gustav ceia um parco repasto. Luta contra as suas entranhas. Não quer mais sangue. Atravessam-lhe pela mente breves clarões de imagens desprovidas de sentido. Simplesmente sabe que transportam sofrimento e dor física.
Decide parar de tocar o violino. Sente a vontade a crescer. Humedece os lábios e suspira. Olha em redor na busca incessante de alguma vítima inocente que possa surgir de uma ruela qualquer. Inspira e desvia o olhar para um canto na penumbra. Algo lhe diz que a resposta às suas preces esconde-se no limiar daqueles dois edifícios.
Não, não e não. Não quer sair daquela taverna. Pega num pasquim que se encontra numa mesa. “A peste negra acumula mortes inumeráveis”. Ri-se sarcasticamente. Se soubessem! Abre as portas e sai em passo alterado.
As suas mãos estão ensanguentadas e da sua boca ainda escorrem gotas de sangue. Terminou. A sua gargalhada é estridente. Com a palma de uma mão limpa os vestígios de quem já não existe. Não cabe em si de júbilo. Torneia o edifício e avança num ritmo melódico. O violino faz-se ouvir.
Gustav encara Francesca. Baixa os olhos em desânimo. Sente-se prostrado. Gostaria de acompanhá-la, mas sabe bem o que significaria e respectivas consequências. Tenta descortinar os belos e meigos olhos de outrora na sua face. Esmorece, pois já não os encontra. No seu lugar, sobressai um esgar irónico e galhofeiro. A música entra-lhe nos ouvidos, todavia entristece a sua alma.
Francesca permanece em silêncio e envereda pela estrada que a conduzirá à mansão. Minutos depois espreita a sua sombra. Gustav desapareceu mais uma vez. Sorri. Algo lhe diz que irão ter um novo rendez-vouz, um outro dia qualquer.